Análise Fenomenológica de Vivências Psicológicas que Motivaram a Não Doação de Órgãos no Brasil
Palavras-chave:
Gestão em Saúde, Política de Saúde, Psicologia, Fenomenologia, Solicitação de Consentimento para Doação de ÓrgãosResumo
Objetivos: Compreender as vivências psicológicas que motivaram a não autorização da doação de órgãos para transplantes. Métodos: Estudo qualitativo, exploratório, desenvolvido à luz do método psicológico-fenomenológico, com 56 familiares que não autorizaram a doação de órgãos em diferentes regiões geográficas do Brasil, cujos estados apresentaram maior número absoluto de recusas. Resultados: Desconfiança no sistema de transplante (ST) foi o significado invariante identificado, e os variantes foram prolongamento do sofrimento familiar, insegurança na tomada de decisão, ameaça, pesar, injustiça, desrespeito e desamparo psicológico. Os significados foram estruturados pela percepção dos participantes, a partir da relação com as equipes assistenciais, da ausência de serviços, da carência de manutenção de equipamentos de diagnóstico de morte encefálica, da imagem política brasileira e do desconhecimento das normas da política pública de doação e transplante. Os significados vividos foram analisados e foram identificadas as vivências psicológicas: intencionalidade perceptiva, causalidade psíquica e motivação, impulso de proteção e vivência afetivo-cognitiva que culminam na recusa à doação. A análise identificou que a experiência foi vivida como afetivo-cognitiva. Conclusão: Os significados revelam que o fator desconfiança esteve presente, em maior ou menor intensidade, em todos os familiares. Há três variáveis psicológicas: I) os familiares têm percepção negativa; II) há motivações afetivas e cognitivas; e III) necessidade de proteção. O desconhecimento da população estudada sobre a operacionalização do ST parece um elemento que tem impactado negativamente o subsistema de doação, e os elementos apontados podem nortear os gestores da política pública no desenvolvimento de ações que informem e esclareçam a sociedade de modo contínuo, e não apenas por campanha anual.
Downloads
Referências
1. Organização Pan-Americana da Saúde [Internet]. Estratégia e plano de ação sobre doação e acesso equitativo a transplante de órgãos, tecidos e células 2019-2030. 57º Conselho Diretivo: Documentos de Trabalho CD57/2019. https://iris.paho.org/handle/10665.2/59704
2. Torres LC, Ferreira Filho FJ, Cruz JRD, Pinheiro PL de O, Figueiredo FJG. Transplantes de órgãos: abordagens éticas e soluções legais. Rev Bioét, 2024; 32: e3703PT. https://doi.org/10.1590/1983-803420243703PT
3. World Health Organization. Human organ and tissue transplantation: Seventy-Fifth World Health Assembly. Switzerland: WHO; 2022 [access on 25 Feb. 2025]. Available at: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA75/A75_41-en.pdf
4. Galante A. Teoria de sistemas e o Sistema Nacional de Transplante. Curso lato sensu gestão do Sistema Brasileiro de Transplante de Órgãos e Tecidos. Escola de Saúde Pública do Distrito Federal; 18 Feb 2025.
5. Göttems LDB, Mollo MLR. Neoliberalismo na América Latina: efeitos nas reformas dos sistemas de saúde. Rev Saude Publica, 2020; 54(74). https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001806
6. Furtado BA, Sakowski PAM, Tóvolli MH. Abordagem de sistemas complexos para políticas públicas. In: Furtado BA, Sakowski PAM, Tóvolli MH. Modelagem de sistemas complexos para políticas públicas. Brasília: IPEA; 2015. p. 21-41.
7. Rand W. Sistemas complexos: conceitos, literatura, possibilidades e limitações. In: Furtado BA, Sakowski PAM, Tóvoli MH. Modelagem de sistemas complexos para políticas públicas. Brasília: IPEA; 2015. p. 43-64.
8. Coleman JS. Social capital in the creation of human capital. Am J Sociol, 1988; 94: 95-120. https://doi.org/10.1086/228943
9. Putnam R. Bowling alone: the collapse and revival of American community. New York: Simon & Schuster; 2000.
10. Bourdieu P. The forms of capital. In: Richardson JG. Handbook of theory and research for sociology of education. New York: Greenwood; 1985. p. 241-58.
11. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado: 2006-2013. Registro Brasileiro de Transplantes. 2013 [access on 22 Feb. 2025]; 29(4). Available at: https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2020/06/rbt2013-parcial1.pdf
12. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado: 2016-2023. Registro Brasileiro de Transplantes. 2023 [access on 22 Feb. 2025]; 30(4). Available at: https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2024/04/rbt2023-restrito.pdf
13. Knihs NS, Roza BA, Schirmer J, Ferraz AS. Aplicação de instrumentos de qualidade em doação de órgãos e transplantes da Espanha validados em hospitais pilotos em Santa Catarina. J Bras Nefrol 2015; 37(3): 323-32. https://doi.org/10.5935/0101-2800.20150052
14. Knihs NS, Leitzke T, Roza BA, Schirmer J, Domingues TAM. Compreensão da vivência da família frente à hospitalização, morte encefálica e entrevista para doação de órgãos. Cienc Cuid Saude 2015; 14(4): 1520-7. [access on 22 Feb. 2025]; Available at https://pdfs.semanticscholar.org/998a/5e8856dd1d92af86f667aa968ee506b2dcb1.pdf
15. Oliveira AFCG, Cardoso RAB, Freitas KC, Lotte EJ, Lucas BL. Lacunas e fatores impeditivos da doação de órgãos no Brasil: revisão de literatura. Braz J Tranpl, 2023; 26: 2723. https://doi.org/10.53855/bjt.v26i1.520_PORT
16. Batista MEP, Telles CFS, Pierotto AAS, Barilli SLS, Rocha KR, Rosa RR, Peradotto BC. Justificativas de familiares para a não autorização de doação de órgãos: estudo documental. Braz J Transplant, 2024; 27: 4524. https://doi.org/10.53855/bjt.v27i1.627_PORT
17. Amazonas MAM, dos Santos JS, Araujo JC, Souza ATA da C, Coelho MB, dos Santos JPS, de Souza EJF, Silva WGC, Castilho NMO, Figueiredo SN. Doação de órgãos: dilemas dos familiares na doação de órgãos. Revista Eletrônica Acervo Saúde 2021;13(1): e5871. https://doi.org/10.25248/reas.e5871.2021
18. Brasil. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto 9.175, de 17 de outubro de 2017. Regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Diário Oficial da União, 2017. [access on 23 Feb. 2025] Available at: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9175.htm
19. Roza BA, Schirmer J. Boas práticas e apoio decisório para o processo de doação e transplantes de órgãos, tecidos e células humanos. [access on 23 Feb. 2025]. Brasília: ANVISA; 2023. [access on 22 Feb. 2025]; Available at: https://bibliotecadigital.anvisa.gov.br/jspui/bitstream/anvisa/8090/3/Livro_vigilancia.pdf
20. Botelho AGA. A descriminalização do comércio de órgãos no Brasil frente ao princípio da dignidade humana. Uberlândia. TCC – Universidade Federal de Uberlândia; 2021. https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/33266
21. Creswell JW. Investigação qualitativa e projetos de pesquisa: escolhendo entre cinco abordagens. 3ª ed. Porto Alegre: Penso; 2014.
22. Husserl E. Psicologia fenomenológica e fenomenologia transcendental: textos selecionados (1927 1935). Petrópolis: Vozes; 2022. Coleção Pensamento humano.
23. Husserl E. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. São Paulo: Ideias e Letras; 2012.
24. Giorgi A, Souza D. Método fenomenológico de investigação em psicologia. Lisboa: Fim de Século, Editora Sociedade Unipessoal; 2010.
25. Goto TA. Pesquisa em enfoque fenomenológico: a psicologia fenomenológica como ciência psicológica e método de investigação. In: Barroso SM. Pesquisa em psicologia e humanidades: métodos e contextos contemporâneos. Petrópolis: Editora Vozes; 2022.
26. Feijoo AMLC, Goto TA. É possível a fenomenologia de Husserl como método de pesquisa em Psicologia Psic Teor Pesq, 2016; 32(4): 1-9. https://doi.org/10.1590/0102.3772e3241
27. Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado: 2015-2022. Registro Brasileiro de Transplantes. 2022 [access on 22 Feb. 2025]; 29(4): 1-100. Available at: https://site.abto.org.br/wpcontent/ uploads/2023/03/rbt2022-naoassociado.pdf
28. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 10.2011, de 23 de março de 2001. Altera dispositivos da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que "dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Diário Oficial da União, 2001. [access on 23 Feb. 2025] Available at: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10211.htm#:~:text=LEI%20No%2010.211%2C%20DE%2023%20DE%20MAR%C3%87O%20DE%202001.&text=Altera%20dispositivos%20da%20Lei%20n,fins%2de%20transplante%20e%20tratamento%22
29. Andrade T, Estivalete VFB, Malheiros MB , Rossato VP. Confiança interpessoal e confiança organizacional como antecedentes dos comportamentos de cidadania organizacional. REAd Rev Eletrôn Adm, 2021; 27:3. https://doi.org/10.1590/1413-2311.332.106296
30. Aronson E, Wilson TD, Akert RM. Conformidade: influenciar o comportamento. In: Aronson E, Wilson TD, Akert RM. Psicologia social. 8ª ed. Rio de Janeiro: LTC; 2018. p. 152-79.
31. Lanz LQ, Tomei PA. Confiança nas organizações. Rio de Janeiro: Elsevier; 2014.
32. Batista WS. Morte, eutanásia e cuidados paliativos. In: Reis MSP. Cronicidade e terminalidade na saúde pública. Rio de Janeiro: Conquista; 2022. p. 123-31.
33. Assmar EML. A experiência de injustiça na vida diária: uma análise preliminar em três grupos sociais. Psicol Reflex Crit, 1997; 10(2): 335-50. https://doi.org/10.1590/S0102-79721997000200011
34. Campos EBV, Silva AN. O desamparo como categoria afetiva fundamental do mal-estar na atualidade: um ensaio psicanalítico. Rev Psicol, 2020; 19(1): 67-87. [access on 22 Feb. 2025]; Available at https://www.revpsico-unesp.org/index.php/revista/article/view/317
35. Alencar HM, Taille Y. Humilhação: o desrespeito no rebaixamento moral. Arq Bras Psicol. 2007 [access on 4 Jan. 2025]; 59(2): 217-31. Available at: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672007000200011&lng=pt&nrm=iso
36. Brehm JW. A theory of psychological reactance. New York: Academic Press; 1966.
37. Rodrigues Filho MF. A conexão entre a intencionalidade e a consciência: um estudo filosófico. Fractal Rev Psicol, 2024; 36:e5810. Available at https://doi.org/10.22409/1984-0292/2024/v36/5810
38. Merleau-Ponty M. Fenomenologia da percepção. 5ª ed. São Paulo: WMF Editora; 2018.
39. Stein E. Contribuciones a la fundamentación de la psicologia y de las ciencias del espírit. In: Urkiza J, Sancho FJ, organizadores. Obras completas. Vol. II: Escritos filosóficos (Etapa fenomenológica: 1915-1920). Burgos: Monte Carmelo; 2005. p. 950.
40. Mendes LO. Um estudo sobre causalidade psíquica e motivação em Edith Stein como compreensão da liberdade humana na busca do sentido da vida. Rédula. 2024 [access on 26 Feb. 2025]; 9(9): 64-83. Available at: https://redae.uc.cl/index.php/STE/article/view/83168
41. Ávila EM. Confianza reflexiva: la reflexión sobre la confianza ante conocimientos y acciones Sociales. Investigaciones Fenomenológicas. 2023 [access on 26 Feb. 2025]; 20: 141-57. Available at: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=9246230
42. Steinbock AJ. Emociones morales: el clamor de la evidencia desde el corazón. Cap. 6. Barcelona: Herder Editorial; 2022. p. 283-319.
43. Feist J, Feist GJ, Roberts TA. Maslow: teoria holístico-dinâmica. In: Feist J, Feist GJ, Roberts TA. Teorias da personalidade. 8ª ed. Porto Alegre: AMGH; 2015. p. 167-90.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Anderson Galante, Leila Bernarda Donato Göttems, Tommy Akira Goto

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.